quinta-feira, 24 de maio de 2012

Um texto de 21/04/2008 quando estava nas minhas aulas de Redação, preparando-me para o vestibular. Boa leitura.


Português para o Brasil

            Sempre me relacionei bem com o povo e a comunidade do bairro onde moro. Meu linguajar simples, do dia-a-dia, permitia-me ter acesso aos bandidos, aos viciados e às donas-de-casa para conversar e tentar resolver seus problemas. Minha popularidade era enorme, e isso foi importante para que eu fosse eleito o “Vereador do povão”! Ainda não sei o que me elevou a tal patamar sócio-político: se o meu desprezo pelo plural (“Os político deve atender nossas exigência!”) ou  o meu neologismo interiorano (“As táuba daqui tão tudo chechelenta”).
            Agora, eu freqüentava um meio social mais elevado, cultural e economicamente, e precisava estar ali para defender os interesses dos meus eleitores. Abandonei a bermuda e o chinelo para vestir paletó e gravata, no entanto, minha rudez oral continuou a mesma. Precisava mudar, também, a roupagem do meu falar para acabar com o preconceito que girava ao meu redor e ter mais acesso à sala do governador para defender meus projetos.
            Matriculei-me em cursos de língua portuguesa, comprei livros e passei a estudar durante o dia, a tarde e à noite. Faltava um mês para a reunião e eu já me sentia orgulhoso por saber elaborar uma carta e usar em todas as minhas falas o “Vossa Excelência”!
            O “dia D” chegou e fui atendido no gabinete governamental por um assessor impaciente, que me recomendou ao Presidente da República. Meu problema era de nível nacional... eu estava lisonjeado!
            Estudei a Constituição, aprendi a conjugar os verbos e como escrever uma oração adverbial causal reduzida de gerúndio. O presidente também iria ter uma surpresa com o rebuscamento na linguagem de um simples caboclo do norte do país. Com o Aurélio embaixo do braço e o Armani sobre meus ombros, parti para Brasília em um aterrorizante pássaro voador feito de metal.
            Chegando ao Congresso Nacional, onde iria ser atendido, deparei-me com camisas desabotoadas, sapatos sujos e cuecas rasgadas trajando os trabalhadores daquele local que não usavam telefones para a comunicação interna, mas palavras de baixo calão pronunciadas aos berros pelos salões. Foi um susto, mas meu objetivo era o encontro com o sábio Chefe de Estado.
            Piscava no painel eletrônico – a forma mais civilizada de comunicação ali dentro – a senha 225. Minha vez! Entrei naquele majestoso gabinete onde havia no mínimo dez pessoas e lixeiras de luxo, porém meu olhar fixou-se naquele homem barbudo, com resquícios sutis de um líder sindical, para quem fui apresentar-me, de modo pomposo, e mostrar-lhe meu valoroso projeto estadual de educação primária.
            - Te senta aí rapaz. O que é essas coisas que tu traz aí? – indagou-me, naturalmente, o presidente.
            Fiquei abismado! Onde estava o plural? Por onde andava a concordância? E a ética, será que alguém viu? Parece-me que a língua portuguesa, assim como a ética, abandonou estes lugares... Mas se o povo gosta que falemos “ansim”, vamos continuar ganhando seus votos!

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