Português para o Brasil
Sempre
me relacionei bem com o povo e a comunidade do bairro onde moro. Meu linguajar
simples, do dia-a-dia, permitia-me ter acesso aos bandidos, aos viciados e às
donas-de-casa para conversar e tentar resolver seus problemas. Minha
popularidade era enorme, e isso foi importante para que eu fosse eleito o
“Vereador do povão”! Ainda não sei o que me elevou a tal patamar
sócio-político: se o meu desprezo pelo plural (“Os político deve atender nossas
exigência!”) ou o meu neologismo interiorano
(“As táuba daqui tão tudo chechelenta”).
Agora,
eu freqüentava um meio social mais elevado, cultural e economicamente, e
precisava estar ali para defender os interesses dos meus eleitores. Abandonei a
bermuda e o chinelo para vestir paletó e gravata, no entanto, minha rudez oral
continuou a mesma. Precisava mudar, também, a roupagem do meu falar para acabar
com o preconceito que girava ao meu redor e ter mais acesso à sala do
governador para defender meus projetos.
Matriculei-me
em cursos de língua portuguesa, comprei livros e passei a estudar durante o
dia, a tarde e à noite. Faltava um mês para a reunião e eu já me sentia
orgulhoso por saber elaborar uma carta e usar em todas as minhas falas o “Vossa
Excelência”!
O
“dia D” chegou e fui atendido no gabinete governamental por um assessor
impaciente, que me recomendou ao Presidente da República. Meu problema era de
nível nacional... eu estava lisonjeado!
Estudei
a Constituição, aprendi a conjugar os verbos e como escrever uma oração
adverbial causal reduzida de gerúndio. O presidente também iria ter uma
surpresa com o rebuscamento na linguagem de um simples caboclo do norte do
país. Com o Aurélio embaixo do braço e o Armani sobre meus ombros, parti para
Brasília em um aterrorizante pássaro voador feito de metal.
Chegando
ao Congresso Nacional, onde iria ser atendido, deparei-me com camisas
desabotoadas, sapatos sujos e cuecas rasgadas trajando os trabalhadores daquele
local que não usavam telefones para a comunicação interna, mas palavras de baixo
calão pronunciadas aos berros pelos salões. Foi um susto, mas meu objetivo era
o encontro com o sábio Chefe de Estado.
Piscava
no painel eletrônico – a forma mais civilizada de comunicação ali dentro – a
senha 225. Minha vez! Entrei naquele majestoso gabinete onde havia no mínimo
dez pessoas e lixeiras de luxo, porém meu olhar fixou-se naquele homem barbudo,
com resquícios sutis de um líder sindical, para quem fui apresentar-me, de modo
pomposo, e mostrar-lhe meu valoroso projeto estadual de educação primária.
-
Te senta aí rapaz. O que é essas coisas que tu traz aí? – indagou-me,
naturalmente, o presidente.
Fiquei
abismado! Onde estava o plural? Por onde andava a concordância? E a ética, será
que alguém viu? Parece-me que a língua portuguesa, assim como a ética,
abandonou estes lugares... Mas se o povo gosta que falemos “ansim”, vamos
continuar ganhando seus votos!
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